Memórias Póstumas de um Piano

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O Retrovisor é um dos programas mais malucos que já vi. Paulo Markun entrevista pessoas que já morreram. Um desses entrevistados foi o Luis Gama (1830-1882) representado pelo Antônio Pitanga. Foi esse episódio que presenciei. Quando a entrevista começou tive a sensação de ser transportado para o século XIX. A sensação só era quebrada nas vezes que o Pitanga se esquecia e falava em terceira pessoa. Makun dava bronca. Entretanto, quem deveria ser entrevistado não era o Luiz Gama, mas sim aquele piano que ficava no auditório, um steinway & sons velho. Era intocável (no sentido pejorativo mesmo), realmente já era, estava morto. Eu soube que houve uma tentativa de ressuscitá-lo com uma reforma, mas insisto na minha opinião de que reforma em piano nunca compensa, pois esse instrumento é que nem carro, quanto mais velho pior. Não há vantagem alguma em ter um piano que pertenceu a D. Pedro I ou à Chiquinha Gonzaga. Por sorte nesse dia eu só estava na da Biblioteca Mário de Andrade como um coadjuvante, apenas para tocar umas músicas de época no programa.

Depois de um tempo Heloisa me convidou para ir a um recital dela naquele mesmo auditório. Imediatamente a adverti sobre o piano. Descobri que o projeto em que ela ia tocar era o BMA Instrumental, pois meses depois Swami também me convidou para tocar. Não menos imediatamente perguntei “E o piano, Swami”. Fiquei muito feliz com a resposta. Haviam comprado um yamaha C7x novo para o auditório! O piano estava fantástico, toquei tranquilo.

Mas o que fico pensando é sobre aquele velho e mal cuidado piano de que steinway só tinha no nome. Para onde foi? De onde veio? E indo mais longe: e se ele falasse, se tivesse memórias…? Quantas histórias teria para contar? Ele diria: fui comprado pela prefeitura e estive nesse auditório por 50 anos, obviamente sem cuidados”. Ou então “Fui comprado pela Guiomar Novaes e a ela pertenci por muitos anos, até ser doado para esse auditório”. Talvez ele dissesse “Fui comprado por um pai que queria que a filha estudasse piano, porém ela não queria tocar e fiquei largado por 30 anos sem manutenção alguma…”. Ou então “quando vim da Europa ainda novo, me deixaram cair lá de cima, do bagageiro do avião. Tiveram que me fazer uma reforma. Jamais fui um bom piano”. Ou ainda… ah, deixa pra lá…

Ah, se os pianos falassem….

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