Dos Pontos mais Esquecidos…

by

Poucas foram as vezes que passei pela marginal do Rio Pinheiros e notei a existência daquela velha ponte do Morumbi com aqueles arcos bem definidos em sua estrutura. Brad me levou até lá para ver o piano que eu iria tocar na inauguração do secreto Jardim Suspenso. Confesso que me decepcionei profundamente naquela noite. É que qualquer pianista que ouvisse a empolgação deles ao telefone quando falavam sobre o tal jardim esperaria pianos como Steinway D ou Fazioli F 276, mas ao invés disso, lá se encontrava deitado um móvel que mais parecia um guarda roupas velho. Por outro lado, imediatamente percebi que aqueles caras eram dos meus, gostavam de fazer muito com o pouco que tinham em mãos, procurando caminhos alternativos, etc. Ponderei tudo e no fim acabei topando a loucura.

No dia da inauguração fui me aproximando e vi de longe umas 50 pessoas em fila esperando para descer uma escada de corda, depois passar por uma rede de segurança e enfim chegar à tal ponte que nenhum paulistano sequer lembrava mais. Chegaram nela as 50 pessoas, mas era só o início. Depois devem ter chegado mais umas 100. O lugar estava enfeitado com uns balanços, uma piscina infantil e, obviamente, o principal: o piano, elevado há uns 6 metros de altura, exatamente em cima do arco da ponte. A idéia era colocar um pianista lá em cima para tocar em um momento que seria o ápice da festa. Eu era o escolhido e não dava mais para desistir, afinal eu já estava lá. Morri de medo quando fui içado naquela corda de rapel. Muitas coisas se passavam pela minha cabeça, mas me lembro mesmo de duas. Uma era “Se eu cair daqui… era uma vez um pianista…!” e a outra “Nossa essa festa tá bombando!”. Cabe aqui acrescentar que a perspectiva proporcionada pelo rapel era única e apenas três pessoas puderam experienciar: eu, Ethan (o idealizador) e o afinador do piano.

Quando sentei e dedilhei umas notas naquele piano percebi o que iria acontecer lá: nada, pelo menos musicalmente. O mecanismo era tão velho que as teclas desciam uma vez para não mais subirem. O microfone que deveria amplificar o som das cordas marteladas daquele velho instrumento amplificava mais o ruído dos trens da CPTM e do vento. Entretanto,

quando já se esta na chuva, não custa se molhar mais um pouco. O problema é que realmente estava chovendo e saí de lá muito molhado.

Nada disso importa. O que importa é que a galera foi ao delírio ao final de cada música! E o mais gratificante foi a experiência de estar naquela cena surreal e ter a impressão de se dar um pouco de vida àquele ponto da cidade que estava literalmente morto já fazia décadas. E essa sensação certamente eu não teria em nenhum outro lugar que eu pudesse tocar piano. Declaro que foi fantástica a experiência em cima do arco daquela ponte! Desci e logo depois fui embora.

Uns 2 meses depois meu telefone tocou por volta das 06:00 da manhã. Era uma repórter da Rede Globo perguntando de onde tinha vindo aquele piano abandonado na ponte. Eu expliquei que não era apenas um piano, mas sim uma instalação de arte. Ela não acreditou muito. A essa altura do campeonato o piano já tinha virado uma coisa curiosa para muitos paulistanos, pois ninguém sabia de onde ele tinha vindo e porque estava ali. Certamente saberiam não fosse o fato de no dia da festa a rede de segurança que dava acesso à ponte ter se rompido e a Cláudia ter caído lá de cima, de uns 6 metros de altura. Foi terrível!! Não que eu tenha presenciado, mas sem dúvida foi! Basta ouvir os relatos.

Foi ao ar uma matéria dessa jornalista que me acordou cedo com a ligação. Passadas 4 horas, pelo menos 3 emissoras queriam vir aqui em casa gravar entrevista. Vieram, e as matérias foram ao ar no mesmo dia. No dia seguinte fui levar minha filha na escola e a professora disse: “Papai tá ficando famoso, heim Helena?!!!”. Em seguida fui comprar pão na padaria e a moça me entregou os pães e perguntou: “Foi você que apareceu no SPTV ontem?” Mais tarde fui almoçar e ai o rapaz do restaurante me perguntou: “Você viu o SPTV ontem?”. Meses depois fui tomar café em uma padaria e a moça falou “Eu te vi na televisão!”. Outro caso curioso é que muito tempo depois disso eu estava andando na rua e uma moça me reconheceu e… ah deixa pra lá… já deu pra entender que a internet ainda não substituiu por completo televisão, né?

P.S 1: postei isso hoje, mas toquei na ponte no dia 21 de março de 2015.
P.S 2: Cláudia se recupera bem, mas nunca vai esquecer o acidente.
P.S 3: o piano foi retirado da ponte poucos dias após a matéria ter ido ao ar
P.S 4: até hoje tento entender como é que Ethan e cia. conseguiram realizar a façanha de subir o instrumento até lá em cima…

PageLines